As Fintechs têm desempenhado um papel fundamental na evolução dos serviços financeiros, liderando a transformação digital e oferecendo soluções comparáveis às instituições mais tradicionais.
A característica digital da distribuição de serviços é um traço distintivo das fintechs, que permite que essas empresas reduzam custos operacionais oferecendo produtos digitais e soluções financeiras, além de serviços inovadores e acessíveis, como facilitação de créditos, contas digitais sem custos de manutenção e cartões de crédito sem anuidade. A eficiência, acessibilidade e transparência que as fintechs oferecem rapidamente conquistaram a preferência do público saturado das burocracias, filas e complexidades típicas das instituições financeiras tradicionais.
O rápido crescimento das fintechs no Brasil e a natureza ágil também as expõem a riscos e desafios específicos. O desenvolvimento tecnológico acelerado, a concorrência intensa e as mudanças regulatórias podem levar as fintechs mais promissoras a enfrentar dificuldades financeiras e descontinuidade das suas operações.
Neste artigo, exploraremos em detalhes os cenários de falência e recuperação judicial no contexto das fintechs:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL & FALÊNCIA
A legislação brasileira estabelece ferramentas que permitem às empresas lidar com dificuldades financeiras de maneira justa e eficaz, possibilitando a retomada do negócio e, em alguns casos, o retorno ao mercado, conforme previsão na Lei nº 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, conhecida como “Lei de Falências” que, posteriormente, foi alterada pela Lei nº 14.112/2020.
Diversos motivos podem levar uma empresa a suspender temporariamente suas atividades ou enfrentar uma situação de encerramento. A decisão sobre a abordagem a ser adotada, seja a recuperação judicial ou extrajudicial ou a falência, não é trivial e requer orientação profissional.
A Recuperação Judicial emerge como um recurso quando há perspectivas reais de que a empresa possa retomar suas atividades no futuro, mesmo diante das dificuldades atuais. De forma simplificada, a recuperação judicial busca evitar a falência de uma empresa para benefício das partes envolvidas, sejam sócios, investidores ou credores, quais sejam trabalhadores, fornecedores e clientes.
Neste procedimento, a empresa recebe permissão para renegociar parte de suas dívidas com seus credores, na tentativa de viabilizar uma reorganização e reestruturação da empresa de forma sistemática, evitando ações de execução isoladas. Essa renegociação pode ocorrer de duas formas:
- Judicial: negociação que envolve o Poder Judiciário, para elaboração de um plano de recuperação para o refinanciamento das dívidas, que deverá levantar as deficiências que conduziram a empresa à crise, além de propor soluções para corrigi-las. Durante esse processo, os credores têm a capacidade de demandar alterações no plano de recuperação. Se o plano for aceito, a Justiça suspende ações de cobrança por 180 dias. No entanto, se as modificações propostas pelos credores não forem aceitas pelos devedores, a falência pode ser decretada pela Justiça;
- Extrajudicial: negociação direta entre devedor(s) e credor(s), que se desenvolve sem a intervenção ou participação do Poder Judiciário. A própria organização convoca seus credores para uma negociação coletiva, na qual são definidos os direitos, as condições de pagamento e as obrigações de cada parte. Ao final, para formalização da negociação, o acordo deve ser apresentado para homologação ao Poder Judiciário.
Empresas com registros válidos no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e que tenham operado ativamente por um período mínimo de 2 anos têm a possibilidade de requerer a recuperação judicial. Entretanto, algumas entidades não se enquadram nesse cenário, como as sociedades de economia mista, instituições financeiras, empresas públicas, organizações não governamentais (ONGs) e cooperativas.
A falência, por sua vez, é a situação jurídica em que uma empresa fica impossibilidade de arcar com o pagamento de suas dívidas e, após os tramites legais pertinentes, é proferida decisão que declara a quebra da empresa, seguindo com a liquidação de bens e haveres para saldar naquilo que for possível os credores, respeitando a ordem de preferência dos créditos nos termos da Lei.
Uma vez decretada, a falência impede o devedor de exercer atividades comerciais e administrar seus bens. Todos os envolvidos, incluindo credores e atos jurídicos, passam a ser regulados pelo regime jurídico-falimentar (conjunto de regras jurídicas pertinentes à execução concursal do devedor empresário). Portanto, a Lei da Falência estabelece os parâmetros e os responsáveis pelo pedido de falência, impactando o processo e as implicações desse cenário tanto para a empresa quanto para seus credores.
A Falência pode ser solicitada tanto pelo credor quanto pelo devedor, segundo as diretrizes estabelecidas na Lei nº 14.112/20. Entretanto, também existem determinados tipos de empresa que não estão sujeitos ao enquadramento da mencionada legislação, como empresas públicas de propriedade mista; instituições financeiras públicas ou privadas; cooperativas de crédito, consórcios, entidades de previdência complementar; sociedades operadoras de planos de assistência à saúde; sociedade seguradora; e sociedade de capitalização, dentre outras. Essas empresas são regidas por legislações próprias.
Na hipótese de falência, o procedimento poderá ter como protagonista o próprio Banco Central que será responsável por decretar a intervenção, liquidação e regime especial de administração temporária, autorização do liquidante a requerer a falência, nomeia o liquidante, julga as impugnações de crédito na fase administrativa, bem como apura a responsabilidade dos administradores e controladores.
Além desta questão, também é importante mencionar que as fintechs nem sempre atuam como Sociedade de Crédito Direto (SCD) e/ou Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), portanto, não estariam inseridas no Sistema Financeiro Nacional.
Tais organizações são sociedades empresárias Limitadas e Sociedades Anônimas que estão utilizando de outros meios para irrigar o sistema financeiro de empréstimo e financiamentos e, portanto, estão fora do Sistema Financeiro Nacional e não precisam do acompanhamento ou permissão do Banco Central em procedimentos como falência e recuperação judicial.
Ainda que a falência e a recuperação judicial sejam procedimentos consolidados no ordenamento jurídico brasileiro, podem existir adaptações a serem consideradas caso a caso, principalmente, quando se trata de fintechs, sobretudo pelo avanço nas regulamentações do setor.