Como vimos no primeiro material desta série, os carros autônomos não são apenas veículos sem pedais, volante e motorista. Há diferentes níveis de autonomia dos veículos que já estão disponíveis no mercado, como há aqueles modelos mais futurísticos que ainda estão em fase de teste para ingressar no mercado.

Entretanto, mesmo já fazendo parte da nossa realidade ou de um futuro não muito distante, importante analisar se as nossas normas regulam aspectos sobre os diferentes níveis de autonomia desses veículos.

Reunimos aqui algumas informações sobre a experiência do estado da Califórnia na regulação de carros autônomos, a fim de levantar possíveis desafios regulatórios a serem enfrentados no Brasil.

Primeiro Passo: Pesquisa

Quando pensamos em novas tecnologias, tudo começa por uma boa e consistente fase de pesquisa. No caso de veículos autônomos, nós podemos ter já nesta primeira fase desafios regulatórios, tendo em vista que muitas pesquisas engajadas neste tema tem um cunho prático, isto é, exigem testes iniciais da tecnologia que podem desencadear em possíveis colisões e outros danos, e, consequentemente, em responsabilizações dos envolvidos.

A ausência de um regime claro de responsabilidade pode desincentivar iniciativas de pesquisa nessa área. Há aqueles que defendem que a responsabilidade deve ser alocada a partir do regime de responsabilidade já existente, não sendo necessário um regramento específico para tanto, sendo injustificado o receio de responsabilizações extraordinárias, fora das regras já consolidadas.

Segundo Passo: Testes

O mesmo receio exposto na fase de pesquisa persiste em testes comerciais. Nesse sentido, notamos diversos esforços regulatórios norte-americanos que vem atraindo diversas empresas quanto ao desenvolvimento de testes de veículos autônomos.

O Regulamento da Califórnia, por exemplo, já apresenta regulações robustas sobre os testes de veículos autônomos, sendo interessante nos aprofundarmos nas disposições desta norma.

1: Quais níveis de autonomia dos carros autônomos a Califórnia está preocupada em regular?

A Califórnia regula apenas testes de veículos do nível 3 em diante, desde aqueles carros que podem trafegar sem interferência humana por vários quilômetros, até aqueles que podem trafegar sem interferência humana em qualquer condição, como vimos no primeiro material desta série.

2: O que precisamos fazer para testar um carro autônomo na Califórnia?

Solicitar uma permissão ao departamento de trânsito e recolher uma taxa para submeter essa solicitação. Além de previamente participar de um programa de aviso prévio sobre a situação regular dos seus condutores.

3: Quais são os requisitos para iniciar um teste?

Os fabricantes devem testar veículos em condições controladas que simulem o domínio operacional pretendido (“ODD”) e determinem razoavelmente que é seguro operar neste domínio.

Além disso, é necessário que um condutor esteja monitorando as operações do carro e seja capaz de assumir o controle do veículo no caso de uma falha tecnológica ou outra situação emergencial.

Caso o fabricante deseje realizar testes sem um condutor, deve apresentar um pedido de autorização específico para isso e certificar que os veículos autônomos são capazes de funcionar sem a presença de um condutor no interior do veículo e que a tecnologia autônoma corresponde à descrição de um sistema de condução automatizado de nível 4 ou nível 5, como vimos no primeiro material desta série

4: Posso gerar faturamento durante os testes?

Não é permitido a cobrança de taxas ou qualquer outro valor a terceiros, como, por exemplo, nos testes de veículos de entrega de mercadorias ou transporte de passageiros.

Os regulamentos não proíbem a cobrança a um cliente pelo produto que está a ser entregue ou compensar um terceiro pelos seus custos de participação nos testes, no entanto, proíbe a cobrança de uma taxa pela entrega da mercadoria.

Do mesmo modo, uma pessoa pode andar como passageiro num veículo de teste se não forem cobradas taxas do passageiro.

5: O que preciso reportar para as autoridades norte-americanas durante a fase de testes?

A Administração Norte-Americana de Segurança Rodoviária (NHTSA), similar ao nosso Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), encorajou todos os estados norte-americanos a estabelecerem notificações obrigatórias dos fabricantes sobre o desempenho dos veículos em teste.

Para tanto, no estado da Califórnia, os fabricantes devem fornecer um resumo dos testes na ODD, informando: (i) o número de quilômetros rodados em estradas públicas, pistas de teste ou outras estradas privadas; (ii) os métodos utilizados para validar o desempenho dos veículos testados; (iii) o número de colisões originadas pelos veículos em teste, com todos os detalhes do incidente.

Todos esses dados devem ser comunicados independentemente se os veículos se destinam ao transporte
de passageiros ou à entrega de mercadorias.

6: Preciso contratar seguro para todos os veículos em teste?

Os fabricantes devem fornecer prova de responsabilidade financeira ao departamento de trânsito como condição prévia para a realização de testes de um veículo autônomo em via pública, mediante a apresentação de prova da existência de um instrumento de seguro.

7: Quais tipos de veículos ainda não podem ser testados?

Testes envolvendo trailers, motocicletas, veículos que operam entre diferentes estados e veículos que pesam mais que 4,5 toneladas, serão objeto de regulação própria no futuro.

Terceiro passo: Comercialização

Existem desafios regulatórios em várias frentes quando falamos sobre a comercialização de veículos autônomos no Brasil.

Pré-comercialização:

Leis de Trânsito

O Brasil ainda possui diversas leis de trânsito que pressupõem a existência de um condutor humano, que deve ter domínio do veículo a todo momento. Isso desafia a comercialização de veículos autônomos, ainda que a tecnologia preste somente auxílios momentâneos ao condutor, ou seja, desde tecnologias autônomas de nível 1, como vimos no primeiro material desta série.

Por outro lado, consta na Agenda Regulatória do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), entre os temas de cunho regulatório a serem estudados no biênio de 2021-2022 a regulamentação dos veículos autônomos.

Além disso, em 2016 a Convenção de Viena sobre o Trânsito Viário (Decreto n. 86.714/1981), ratificada pelo Brasil, a qual exigia que todo o veículo em movimento tivesse um condutor humano, foi emendada para permitir a condução por veículos autônomos. Contudo, ainda é necessária a ratificação da emenda pelo Brasil.

Autorizações Administrativas

Da mesma forma que vimos na fase de testes, na Califórnia, veículos autônomos não podem circular em vias públicas sem uma autorização prévia do departamento de trânsito. Autorização que pode ser exigida por outros países também.

Nesse sentido, pesquisadores brasileiros ainda acrescentam que se algum processo de validação ou certificação fosse adotado pelo Brasil, este deveria considerar ainda que na medida em que veículos aprendam com a experiência prática e modifiquem as suas competências iniciais, devem ser submetidos a novo processo de validação e certificação.

Capacidade Financeira para Operar

Da mesma forma que na fase de testes, na Califórnia o fabricante deve fornecer provas de sua capacidade financeira para responder a danos causados pelos veículos autônomos, sob a forma de um instrumento de seguro, uma caução, ou prova de autosseguro.

Pós-comercialização

Proteção de Dados

O Brasil já possui regulação robusta para proteger dados pessoais, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A complexidade envolvendo a coleta e tratamento de dados pessoais no contexto da operação de um carro autônomo traz desafios de adequação à LGPD.

Indo além no tratamento de dados, o Departamento de Transportes dos Estados Unidos (US DOT) encorajou as partes interessadas da indústria a considerar trabalhar com agências governamentais para troca de dados que possam proporcionar benefícios mútuos e ajudar a acelerar a integração segura da automatização.

Responsabilidade Civil

Nexo Causal

Dificuldade na identificação do nexo causal em tecnologias de inteligência artificial que tomam decisões em situações não previstas pelos fabricantes ou por outros envolvidos, como utilizadores ou proprietários.

A resolução do Parlamento Europeu, que contém recomendações sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica, alerta para esta autonomia da tecnologia, capacidade de tomar decisões sozinhas, e aponta como uma possível solução para esta complexidade de atribuir responsabilidade pelos danos causados pelos robôs cada vez mais autónomos pode ser um regime de seguros obrigatórios.

No Brasil, já existe um sistema de seguro obrigatório, o DPVAT, mas este não foi pensado para a cobertura de danos ocasionados por veículos autônomos.

Divisão de Responsabilidades

Complexidade em se determinar a origem da falha (sensores, algoritmo, integrações sistêmicas, sistemas de apoio, utilizador etc.) e, por conseguinte, a responsabilidade individualizada de cada envolvido.

Para facilitar a identificação de falhas, o Regulamento da Califórnia, por exemplo, exige que o fabricante equipe os veículos autônomos com um gravador de dados de todas as funções do veículo que são controladas pela tecnologia autónoma, pelo por menos 30 segundos antes de uma colisão com outro veículo, pessoa ou outro objeto. Uma “caixa preta” do veículo.

Responsabilidade Compartilhada: Especula-se se os carros sem motorista incentivariam uma propriedade compartilhada e, consequentemente, uma responsabilidade compartilhada.

Atualizações:

Pelo Regulamento da Califórnia, o fabricante deverá disponibilizar atualizações relativas à tecnologia autônoma pelo menos anualmente ou na data de quaisquer alterações ao Código de Veículos da Califórnia e à regulamentação local aplicável.

Segurança:

De acordo com as normas da Califórnia, para garantir a segurança na circulação dos veículos autônomos, os fabricantes devem:
– Demonstrar resultados dos testes dos veículos;
– Defender-se contra ciberataques, intrusões não autorizadas ou comandos falsos de controlo de veículos;
– Atualizar informação de localização e cartografia utilizada ou referenciada pela tecnologia autónoma para o
funcionamento seguro do veículo em seu domínio operacional (ODD), considerando as alterações do
ambiente físico capturadas pelos sensores dos mapas, ou outra informação.
– Informar aos utilizadores sobre toda e qualquer restrição da tecnologia autônoma, bem como orientações
sobre a sua utilização.

 

Fonte: Testing of Autonomos Vehicles; Final Statement of Reasons,
Autonomous Vehicles; Vehicle Code; Veículos Autônomos Inteligentes
e a Responsabilidade Civil nos Acidentes de Trânsito no Brasil.

 

Para conferir o Infográfico explicativo sobre Carros Autônomos e baixar a cartilha completa, basta clicar nos botões abaixo.

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