- Introdução
O agronegócio é um dos principais propulsores da economia brasileira e vem passando por profundas transformações no seu modus operandi ao longo dos últimos anos.
Os avanços tecnológicos impactaram diretamente o agronegócio, e o uso da tecnologia para coleta e análise de dados é cada vez mais comum no mercado agrícola, e tem desempenhado um papel cada vez mais importante no desenvolvimento do setor.
Com o desenvolvimento de novas tecnologias, tornou-se possível coletar e analisar uma quantidade cada vez maior de dados agrícolas, abrangendo informações relacionadas ao clima, solo, plantio, colheita, entre outros aspectos.
Essa análise de dados possibilita a criação de modelos preditivos e algoritmos que auxiliam na tomada de decisões financeiras mais precisas e assertivas. Por exemplo, com base nas informações coletadas, é possível estimar a produtividade de uma lavoura, calcular o risco de perdas e definir estratégias de gestão financeira mais eficientes.
No entanto, com o maior uso de dados – sejam eles dados pessoais ou não -, aumenta a responsabilidade em relação ao uso e tratamento destes dados.
- Uso de dados no Agronegócio
As novas tecnologias empregadas no agronegócio possuem diversas funções e se apresentam em diferentes formatos. Um dos pontos em comum entre diversas delas, no entanto, é o uso de dados durante a sua utilização.
Estes dados podem ser entendidos de forma ampla, ou podem se caracterizar como dados pessoais.
Neste sentido, importante distinguir os dados pessoais dos demais dados que podem ser utilizados no agronegócio. Os dados pessoais são todas as informações relacionadas a uma pessoa física identificada ou identificável. Isso pode significar, por exemplo, desde bases de dados contendo nome, CPF e endereço de agricultores, até imagens de pessoas captadas por drones.
Já dados sobre umidade do solo, dados relacionados à safra e pesagem de gado, por exemplo, são dados “gerais”, não considerados como dados pessoais pela legislação brasileira.
Assim, diversos dados (sejam eles pessoais ou não) podem ser coletados e utilizados para desenvolver e potencializar o agronegócio, seja com análises de big data, coleta de dados por drones, equipamentos autônomos, uso de softwares de gestão, dentre outros.
Com base nestes dados, os produtores podem tomar decisões mais estratégicas, com maior assertividade e confiança, o que permite um aumento na produtividade, menor índice de desperdício e, consequentemente, o aumento da margem de lucro.
As agritechs exercem papel fundamental neste contexto, reduzindo custos e, sobretudo, otimizando recursos por meio de estudos e análises que oferecem soluções únicas e direcionadas ao agronegócio. Tudo isso contribui para a evolução do setor de forma mais eficiente, produtiva e sustentável. Investir em soluções tecnológicas integradas e conectadas se torna cada vez mais essencial, além de representar o futuro da agricultura.
Elencamos abaixo alguns exemplos do uso de dados e seus benefícios no agronegócio:
- Gerenciamento de irrigação: A utilização de um sistema de irrigação automatizado integrado com software de gestão agrícola, que utiliza sensores de umidade do solo e imagens de satélite, pode ser usado para monitorar a quantidade de água no solo e as necessidades de irrigação das culturas. Isso pode ajudar os agricultores a monitorar a eficiência da irrigação, otimizando o uso da água, reduzindo custos, além de auxiliar na tomada de decisão.
- Monitoramento de solo: Imagens de satélite e drones podem ser usados para coletar informações como a composição do solo, índice de vegetação, temperatura da planta, seus nutrientes, acidez e densidade. Essas informações ao serem integradas com um software de análise de dados, pode ajudar os agricultores a identificar áreas com problemas e tomar ações específicas para corrigir esses problemas.
- Rastreamento de cadeia de suprimentos: A tecnologia de rastreamento pode ser usada para acompanhar todas as etapas da produção agrícola, desde a preparação até a venda ao consumidor final. Isso facilita o rastreio de possíveis fontes de contaminação, garantindo a segurança alimentar.
- Monitoramento de condições climáticas: Tecnologias integradas e conectadas de sensores de clima e estações meteorológicas ao coletar dados sobre o clima, temperatura, umidade do solo, precipitação e outros fatores, podem ser usadas para ajudar os agricultores a tomar decisões informadas sobre o plantio, inclusive quanto à quantidade de insumos como defensivos agrícolas e fertilizantes necessários, evitando desperdícios e promovendo a sustentabilidade.
- Previsão de safra: Algoritmos de aprendizado podem ser usados para analisar dados históricos de colheitas juntamente com dados de condições climáticas, a fim de prever a produtividade da safra atual. Tais previsões podem ajudar os agricultores a otimizar o planejamento sobre as suas operações de colheita, além de contribuir na tomada decisões estratégicas e no gerenciamento de recursos.
- Análise de mercado: A coleta de dados sobre preços, demanda e oferta de produtos agrícolas auxilia produtores rurais na tomada de decisão quanto ao melhor período e local para vender seus produtos, o que gera maior lucratividade.
- Monitoramento de gado: A coleta de dados sobre saúde, comportamento e localização de gado por meio de dispositivos de rastreamento GPS e sensores implantáveis, propicia que pecuaristas supervisionem o seu rebanho de maneira eficaz.
- Uso de dados pessoais no Agronegócio e LGPD
Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018 – “LGPD”) em setembro de 2020, todos que tratam dados pessoais passaram a ter que seguir uma série de normas relacionadas previstas na LGPD em relação ao tratamento destes dados.
De cordo com a LGPD, qualquer atividade de tratamento deve ser adequada a LGPD. O tratamento é a nomenclatura geral utilizada para identificar qualquer operação realizada com os dados pessoais. Tais operações incluem, mas não se limitam a coleta, classificação, transferência, processamento, armazenamento e eliminação de dados pessoais. Em termos práticos, qualquer operação realizada com os dados pessoais é uma operação de tratamento sujeita as regras da LGPD.
As regras previstas na LGPD se aplicam também ao agronegócio, uma vez que este setor lida com um vasto fluxo de dados pessoais, que podem estar presentes em diferentes momentos do negócio, tais como:
- Negociações e transações contratuais
- Concessão de crédito rural e outras linhas de financiamento
- Gestão de contratos de prestação de serviços
- Gestão de bancos de dados com informações de fornecedores de insumos, clientes, colaboradores, parceiros comerciais, etc.
- Contratos de parceria e arrendamento
- Pesquisas em tecnologia
- Relações trabalhistas
Diante dessa nova realidade, a adequação à LGPD representa um dos grandes desafios atuais para as empresas brasileiras, em especial do agro, sendo essencial a conformidade com a lei a fim de reduzir as chances de eventual ação judicial e investigações administrativas, além de ser essencial para evitar riscos reputacionais e perda de confiança de clientes e parceiros de negócio.
Além disso, a adequação à LGPD traz uma vantagem competitiva frente aos demais concorrentes não adequados à lei, além de possibilitar a empresa a contratar com parceiros que exigem a conformidade com a LGOPD como requisito para contratação e participar de licitações.
Destaca-se que agronegócio é o setor que menos se adequou à LGPD, conforme levantamento realizado pela Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) e a Ernest Young (EY). O estudo revelou que apenas 31,13% das empresas do agronegócio se adequaram à LGPD até agosto de 2021.
É importante destacar que a ausência de conformidade com a LGPD pode sujeitar a empresa a multas fixas e diárias, com total de 2% do seu faturamento e limite de até R$ 50 milhões, com possibilidade de bloqueio dos dados pessoais em casos mais graves.
Assim, caso se identifique que haja o tratamento de dados pessoais pela empresa, é de extrema importância a sua adequação à LGPD. Neste sentido, listamos a seguir um passo a passo para auxiliar empresas do agronegócio que pretendam se adequar às normas de privacidade e proteção de dados. Esta lista é um modelo geral que deve ser adaptado às necessidades, tamanho e riscos específicos de cada organização:
- Nivelação do conhecimento: Inicialmente, é importante adotar ações que objetivem nivelar o conhecimento de todos os colaboradores acerca de questões relacionadas a privacidade e proteção de dados. Treinamentos, workshops e eventos que abordem a importância e os conceitos básicos da LGPD são muito eficazes para isso.
- Mapeamento: A segunda etapa consiste na identificação dos fluxos de tratamento de dados pessoais de cada setor da empresa. A partir dessas informações, é necessário documentar internamente as informações obtidas e fluxos de dados identificados – essa documentação é etapa obrigatória para adequação à LGPD. A partir das informações obtidas será possível identificar preliminarmente qual o nível de maturidade do negócio em relação aos requisitos e ao cumprimento da LGPD.
- Plano de ação e Diagnóstico: A partir do resultado obtido no mapeamento dos dados pessoais e dos fluxos de informações, deve ser elaborado um roteiro de trabalho que contará com um diagnóstico de requisitos da LGPD atendidos ou não pela organização. A partir do desenvolvimento do plano de ação e diagnóstico é possível identificar quais alterações documentais e procedimentais deverão ser implementadas.
- Implementação: Na fase de implementação são criados ou revisados os documentos e procedimentos internos para adequação efetiva à LGPD, identificados na fase anterior. Esta etapa incluirá, por exemplo, a criação de um programa de governança em privacidade, a nomeação de um encarregado, e a revisão ou elaboração de políticas corporativas e contratos com fornecedores. A implementação de um sistema que permita fazer correções e apagar dados pessoais, bem como a contratação de uma equipe capacitada e preparada para lidar com os dados também são etapas relevantes.
- Treinamento e Manutenção: A cultura de privacidade e proteção de dados deve permear as atividades de negócio. Assim, as orientações quanto ao uso aceitável dos dados pessoais pela empresa devem ser retidas nos documentos internos da organização, mas também serem continuamente comunicadas por meio de treinamentos e ações de conscientização. Depois de analisar a etapa de adequação inicial da organização, novos produtos, serviços e processos de negócio devem ser continuamente avaliados sob a perspectiva da LGPD. A manutenção da adequação à LGPD implica em um trabalho contínuo da organização em avaliar a legalidade de suas práticas de negócio, produtos e serviços.
- Atenção com fornecedores: Outro aspecto que merece atenção das empresas do setor agro são os fornecedores. É importante garantir que o fornecedor trate os dados de maneira adequada, pois um incidente com dados sob tratamento dele pode afetar os dados da empresa operados pelo parceiro. Para isso, as empresas devem sempre avaliar a maturidade de seus fornecedores em relação à LGPD, por meio do envio de questionário de privacidade e análise das políticas, além de celebrar acordos relativos ao tratamento de dados pessoais contendo todas as obrigações, responsabilidades e direito das partes.
Para empresas que precisem adequar apenas processos de negócio específicos, ou que estabeleçam novos processos, produtos ou serviços após a adequação inicial, é de extrema importância analisar estes processos para avaliar possíveis riscos e implementar eventuais medidas de mitigação necessárias. Para isso, é possível elaborar um relatório de impacto à proteção de dados (“RIPD”) ou conduzir um novo processo de adequação apenas em relação ao processo em questão.
O relatório de impacto, por exemplo, é relevante quando a operação de tratamento for fundamentada na base legal do legítimo interesse. No entanto, sua elaboração deve ser considerada também em operações de alto risco aos titulares de dados ou que envolvam uma grande quantidade de dados tratados. O RIPD irá descrever, por exemplo, os agentes de tratamento envolvidos, os processos de tratamento e os dados tratados, metodologia usada para a coleta e guarda dos dados (incluindo medidas de segurança da informação adotadas) e irá prever medidas, salvaguardas e mecanismos para mitigar eventuais riscos.
A elaboração do RIPD é uma oportunidade para a organização avaliar seu nível de conformidade com a LGPD e demonstrar seu compromisso com a privacidade e proteção dos dados pessoais, tanto para os titulares de dados quanto para a ANPD. Dessa forma, a organização também demonstra seu comprometimento com o princípio da responsabilização e prestação de contas, cumprindo as normas de proteção de dados e demonstrando a eficácia de todas as medidas aplicadas.
- Conclusão
Como visto, os avanços tecnológicos impactam diretamente o agronegócio, de modo que o uso da tecnologia para coleta e análise de dados é cada vez mais comum e desempenha papel crucial.
No entanto, com o maior uso de dados, aumenta a responsabilidade em relação ao uso e tratamento destes dados, sobretudo no que tange a dados pessoais.
Assim, a adequação à LGPD é um passo importante não só para manter as empresas em conformidade com a legislação aplicável, mas também evitar que riscos de imagem, à marca ou aos relacionamentos comerciais com terceiros possam ser materializados, prejudicando o negócio como um todo.
Apesar do projeto de adequação inicial ser complexo e robusto, contar com especialistas para auxiliar no desenvolvimento e criação de uma governança em privacidade e proteção de dados é uma das formas mais assertivas de passar por essa etapa.
A equipe de Campos Thomaz & Meirelles Advogados está preparada para auxiliar seus clientes no mercado do agronegócio com assuntos relacionados a tecnologia e proteção de dados, bem como sempre está atualizada com as novidades legislativas e disponível para oferecer consultoria sobre o assunto.