1. Considerações iniciais: a importância da propriedade intelectual para o Agronegócio

 

Em 2022, o Agronegócio representou cerca de 24,8%[1] do PIB brasileiro, reforçando, portanto, seu caráter essencial na economia do país. Concomitantemente, nas últimas décadas, toda a cadeia agrícola vem desenvolvendo novas tecnologias aplicáveis ao setor, aumentando sua produtividade e, por vezes, criando produtos inovadores.

 

Em linhas gerais, a proteção de qualquer propriedade intelectual é importante para a valorização e estímulo de novas tecnologias, pesquisadores e empresas inovadoras. É o que também ocorre no ramo do Agronegócio. Essas proteções incluem o patenteamento de novos processos produtivos, o registro de marcas e indicações geográficas para identificação de produtos e serviços agrícolas, o registro de desenhos industriais para máquinas e até o registro de programas de computador (software) utilizados pelo setor. Adicionalmente, há a proteção dos chamados cultivares (variedade de plantas) – mas sua importância para o Agronegócio é tão grande que elaboramos um material específico sobre o tema.

 

A maior parte dos ativos de propriedade intelectual são regulados no Brasil pela Lei Federal nº 9.279/1996 (“Lei da Propriedade Industrial” ou “LPI”), que trata de patentes, desenhos industriais, marcas e indicações geográficas – as chamadas propriedade industriais. Por sua vez, há uma lei específica para proteção de softwares: a Lei Federal nº 9.609/1998 (“Lei do Software”). No Brasil, os programas de computador são protegidos como direitos autorais.

 

Sobre os bens de propriedade industrial, importante destacar que são todos protegidos somente mediante registro (ou depósito) junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”), e que a proteção concedida pelo INPI abarca somente o território nacional. Caso o proprietário deseje proteger suas criações em outros países, é necessário fazer novos registros localmente ou, ainda, entrar com pedidos de maior abrangência territorial, como o Patent Cooperation Treaty (“PCT”)[2] e o Protocolo de Madri[3].

 

  1. Tipos de Propriedade Intelectual no Agronegócio

 

  1. Desenho Industrial

 

No Agronegócio, a proteção de desenho industrial se aplica a elementos estéticos ou ornamentais de produtos e equipamentos que possam ser industrialmente replicados, desde embalagens de alimentos até equipamentos de irrigação, tratores e outros maquinários agrícolas. Isto porque o objetivo da proteção deste direito é garantir que o design ou aparência desses produtos seja exclusivo e distintivo, evitando a cópia ou imitação por parte de concorrentes.

 

A proteção de desenho industrial é uma ferramenta importante para organizações que buscam diferenciar seus produtos no mercado, agregar valor à sua marca e impedir a concorrência desleal no mercado do Agronegócio.

 

A proteção do desenho industrial é um direito exclusivo concedido ao seu proprietário (“titular”) por 10 (dez) anos, prorrogável por 3 (três) períodos sucessivos de 5 (cinco) anos cada, contados da data de seu registro, de acordo com a Lei da Propriedade Industrial. Durante esse período, o titular pode impedir terceiros de fabricar, vender, importar ou usar um produto que viole seu desenho industrial registrado no Brasil.

 

Alguns exemplos de desenho industrial são:

 

  • Embalagens de alimentos, como caixas de ovos, garrafas de suco, sacolas para frutas e legumes, entre outros;
  • O design de equipamentos de irrigação, como aspersores, sistemas de irrigação por gotejamento, mangueiras de irrigação,
  • Peças de e maquinários agrícolas, como tratores, colheitadeiras, semeadoras e cultivadoras;
  • Embalagens para fertilizantes e defensivos agrícolas, como sacos de adubo, garrafas de herbicidas e caixas de inseticidas.

 

  1. Marcas

 

A proteção de marcas no Agronegócio é importante para distinção de marcas usadas em produtos ou serviços do setor. Isso inclui marcas registradas de produtos agrícolas, marcas de organizações que produzem ou comercializam produtos agrícolas, bem como marcas de serviços relacionados ao Agronegócio, como consultoria em gestão de propriedades rurais, por exemplo.

 

A proteção de marcas ocorre por meio do registro concedido pelo INPI, garantindo ao titular da marca o seu direito exclusivo de uso no território brasileiro, em relação aos produtos ou serviços da classe de atividades em que ela é registrada, pelo período de dez anos, a partir da data da concessão. O registro da marca pode ser prorrogado por sucessivos períodos de 10 (dez) anos.

 

A proteção marcária é uma ferramenta importante para garantir a identidade e qualidade dos produtos agrícolas, bem como para proteger a reputação e a imagem de entidades que atuam no setor. A proteção de marcas no Agronegócio permite que produtores e organizações mantenham uma vantagem competitiva no mercado e preservem a confiança dos consumidores em relação à qualidade dos seus produtos e serviços.

 

A marca pode ser:

 

  • nominativa, aquela formada por palavras, letras e números;
  • figurativa, aquela constituída somente por um desenho ou imagem;
  • mista, uma marca quecombina imagem e palavra(s); ou
  • tridimensional, aquela que é somente a forma de um produto capaz de distingui-lo de outros produtos semelhantes.

No ramo agrícola ainda são bastante relevantes a utilização das marcas coletivas e de certificação:

 

  • marca coletivaidentifica produtos ou serviços feitos por membros de uma determinada entidade coletiva (associação, cooperativa, sindicato, entre outros). Apenas tal entidade pode solicitar este registro e ela poderá estabelecer condições e proibições de uso para seus associados por meio de um regulamento de utilização. No Agronegócio, é comum que cooperativas agrícolas registrem marcas coletivas, de forma a distinguir seus produtos de outros produtores.

 

  • A marca de certificação é aquela que indica que os produtos ou serviços são certificados pelo titular da marca quanto a sua origem, modo de fabricação, qualidade e outras características. A marca de certificaçãosomente poderá ser utilizada de acordo com os padrões definidos no processo. Um exemplo importante do setor agrícola é a certificação de “produto orgânico”.

 

  1. Indicações Geográficas

 

Apesar de também servir para identificar produtos e serviços, as Indicações Geográficas diferenciam-se das marcas, inclusive das marcas coletivas e de certificação. O registro de Indicação Geográfica concedido pelo INPI só é conferido a produtos ou serviços característicos de um determinado local. São produtos que apresentam uma qualidade única em função de recursos naturais, como o solo, vegetação, clima e processo de produção.

 

Existem dois tipos de Indicações Geográficas: a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem. A primeira é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço. Já a Denominação de Origem designa um produto ou serviço cujas qualidades ou características decorram exclusiva ou essencialmente do meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.

 

Apesar das Indicações Geográficas serem registradas junto ao INPI, o Ministério da Agricultura e Pecuária (“MAPA”) é uma das instâncias de fomento das atividades e ações para Indicação Geográfica de produtos agropecuários. O MAPA conta com orçamento próprio para incentivar a valorização dos produtos agropecuários através da utilização de signos distintivos.

 

São exemplos notórios de Indicações Geográficas no Brasil o “Vale dos Vinhedos”, referente a vinhos e espumantes, registrado como uma Indicação de Procedência, e a “Erva Mate do Planalto Norte Catarinense”, registrado como Denominação de Origem.

 

            As Indicações Geográficas, diferentemente de outros bens de propriedade industrial, vigoram por período indeterminado, enquanto existirem os produtos ou serviços reconhecidos por suas características particulares.

 

  1. Patentes

 

As patentes são um título de propriedade temporário e oficial, concedido no Brasil pelo INPI, para que o titular obtenha o direito exclusivo de exploração de um produto, processo produtivo ou aperfeiçoamento considerado novo, inventivo e que tenha aplicação industrial. Máquinas e equipamentos inovadores, novos processos de produção agrícola, e até fertilizantes e pesticidas, podem ser protegidos por patentes (ou modelos de utilidades, que possuem menor carga inventiva).

 

A invenção patenteável deve ser provida de novidade, utilização industrial e atividade inventiva. Para fins legais, a invenção é considerada “nova” quando não compreendida no estado da técnica (constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente no Brasil ou no exterior). A “atividade inventiva” ocorre sempre que, para um técnico no assunto, a invenção não decorrer de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica. Por fim, é considerada suscetível de “aplicação industrial” a invenção que pode ser utilizada ou produzida em qualquer tipo de indústria.

 

As patentes concedidas pelo INPI vigoram por um período de 20 (vinte) anos, contados da data de depósito, enquanto os modelos de utilidade vigoram por 15 (quinze) anos, também contados do seu depósito. Assim, os titulares desses direitos podem recuperar o investimento de tempo e dinheiro que aplicaram em pesquisa e desenvolvimento, podendo gerar receitas com a sua aplicação própria, além da venda ou licenciamento para terceiros.

 

No Brasil, a espera para concessão de patentes é grande (o chamado “backlog”). Para reverter a situação e estimular a inovação, o INPI criou diversos programas que aceleram o registro de uma patente no país. Na agricultura, o programa que mais se destaca é o das “Patentes Verdes”. Esse é um título expedido pelo INPI para inventos tecnológicos e inovações criados com objetivo de atender a energias alternativas, transporte, conservação, gerenciamento de resíduos e agricultura. É uma forma pela qual se busca fomentar a criação, o desenvolvimento e a implantação de ações criativas e inovadoras para a preservação do meio ambiente. A Patente Verde é fundamental para o desenvolvimento de modelos produtivos mais sustentáveis, que buscam assegurar a diminuição ou eliminação dos impactos ambientais das organizações.

 

São alguns exemplos de patentes no Agronegócio:

 

  • Patente de tecnologia de irrigação que utiliza pequenos gotejadores para entregar água diretamente às raízes das plantas, resultando em maior eficiência no uso de água e nutrientes;
  • Patente de um novo fertilizante orgânico desenvolvido para melhorar a fertilidade do solo e aumentar a produtividade das plantas; e
  • Patente de um novo processo de colheita para colher culturas com maior precisão e eficiência e/ou controlar a população de pragas de forma mais precisa e eficiente.

 

  1. Software

 

No Brasil, a proteção de software é regida pela Lei nº 9.609/1998 (“Lei de Software”), que o caracteriza como uma “obra” e, portanto, protegido por direitos autorais, não pela LPI.

 

Diferentemente dos ativos de propriedade industrial, a proteção aos programas de computador não depende de registro. Além disso, ela tem um caráter internacional, pois abrange todos os países signatários da Convenção de Berna (atualmente, cerca de 170).

 

Não obstante, por questões de segurança jurídica, o titular do software pode registrá-lo junto ao INPI. Em todo caso, fica assegurada a tutela dos direitos relativos ao programa de computador pelo prazo de 50 (cinquenta) anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação.

 

Com a automatização do setor agrícola, os programas de computador influenciam diretamente em processos de aumento de produtividade, práticas de melhoramento genético, desenvolvimento de defensivos agrícolas e rações, além de resultar na maior sustentabilidade na produção agrícola. São exemplos de software utilizados no setor agrícola:

 

  • Sistemas que permitem a gestão de plantações, monitorando o crescimento das plantas, identificando pragas e doenças, gerenciando a aplicação de fertilizantes e defensivos, entre outras atividades relacionadas ao cultivo das plantas;
  • Softwares que permitem o monitoramento da colheita, registrando dados sobre a produtividade, identificando áreas de baixa produtividade e fornecendo insights para melhorias na produção;
  • Programas que permitem o controle de estoque de insumos, registrando a quantidade de sementes, fertilizantes e defensivos disponíveis e alertando quando é necessário fazer novas compras;
  • Softwares que permitem o monitoramento do clima, registrando dados sobre temperatura, umidade e precipitação, e fornecendo informações importantes para a tomada de decisões na gestão de cultivos; e

Softwares que permitem a gestão de rebanhos, registrando dados sobre a saúde dos animais, a produção de leite ou carne, a alimentação e outros aspectos importantes para o manejo dos animais.

 

Existem basicamente dois tipos de programa de computador: o software proprietário e o software livre. O software livre é em regra um sistema com o código-fonte aberto, no qual qualquer pessoa é livre para utilizá-lo, fazer alterações ou melhorá-lo. Por sua vez, os softwares proprietários, que normalmente possuem um código-fonte fechado (justamente para não serem modificados), são aqueles licenciados exclusivamente pelo desenvolvedor que o criou.

 

Em qualquer setor, incluindo o Agronegócio, é essencial que os empresários estejam atentos aos softwares utilizados em suas atividades. É imprescindível manter todas as licenças comerciais em dia, no que tange aos programas de computador proprietários de terceiros, bem como se certificar de que: (i) toda e qualquer criação independente não fere direitos de terceiros; e (ii) existe autorização para realizar novos desenvolvimentos em sistemas pré-existentes, quando for o caso.

 

  1. Como proteger os direitos de Propriedade Intelectual no Agronegócio?

 

Como mencionado anteriormente, os direitos de Propriedade Intelectual devem ser protegidos no Agronegócio para garantir que os criadores e detentores desses direitos sejam recompensados e incentivados a investir em inovações tecnológicas.

 

No Brasil, a proteção dos direitos mencionados nesta cartilha é realizada por meio do registro junto ao INPI (mesmo com relação aos softwares, que a princípio não precisam de registro para serem protegidos – quando o titular entender necessário, podem ser registrados no INPI).

 

Antes do registro, os titulares devem tomar algumas precauções, como fazer uma busca prévia no banco de dados do INPI para verificar se já existe um registro prévio semelhante. Em seguida, é necessário preparar a documentação, preencher os formulários de requerimento, realizar o pagamento de taxas e solicitar o registro pela internet.

 

Caso os direitos de propriedade intelectual sejam violados, é possível protegê-los por meio de medidas judiciais, incluindo responsabilização cível ou criminal.

 

A proteção dos direitos de propriedade intelectual no Agronegócio requer um conjunto de medidas e estratégias que incluem o registro legal e o monitoramento constante para evitar a violação desses direitos.

 

  1. Considerações Finais

 

Proteger os direitos de propriedade intelectual no Agronegócio é fundamental para salvaguardar as inovações científicas e tecnológicas que impulsionam a produção agrícola e pecuária no país, além de garantir a competitividade do setor em escala global.

 

Além de proteger os direitos individuais dos agricultores e inventores, a proteção da Propriedade Intelectual é benéfica para a economia brasileira, incentivando a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias, sementes, pesticidas e outros insumos utilizados na produção agrícola.

 

Assim, é crucial buscar uma assessoria jurídica especializada em Propriedade Intelectual no Agronegócio para garantir a proteção adequada dos direitos de propriedade intelectual provenientes da produção agrícola e pecuária no Brasil. Com o suporte de profissionais qualificados, os titulares desses direitos podem assegurar a exclusividade de sua propriedade intelectual e proteger-se contra possíveis violações por terceiros, contribuindo para a inovação, competitividade e crescimento do Agronegócio brasileiro.

 

A equipe de Campos Thomaz & Meirelles Advogados está preparada para auxiliar seus clientes na obtenção e defesa de quaisquer ativos de propriedade intelectual, bem como está sempre atualizada com as novidades legislativas e disponível para oferecer consultoria sobre o assunto.

[1] Disponível em PIB do Agronegócio Brasileiro – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – CEPEA-Esalq/USP. [ajustar aqui com o endereço para as cartilhas físicas].

[2] Disponível em Tratado de Cooperação em matéria de Patentes (PCT) — Instituto Nacional da Propriedade Industrial (www.gov.br).

[3] Disponível em Protocolo de Madri — Instituto Nacional da Propriedade Industrial (www.gov.br).

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