O mercado de crédito
O mercado de crédito é o sistema financeiro no qual se desenvolvem as operações de concessão de empréstimos e financiamentos. Tradicionalmente, o crédito é concedido por bancos ou instituições financeiras, que podem ser públicos ou privados. Do outro lado, estão os tomadores de crédito, as pessoas físicas ou jurídicas.
Para solicitar um empréstimo, os tomadores entram em contato com seu banco ou instituição financeira, que analisam o pedido e verificam se é possível ou não conceder o crédito. O pagamento da dívida é feito nas condições estabelecidas em contrato, incluindo a taxa de juros.
Os bancos concentram a grande maioria do mercado de crédito e estão consolidados neste setor há décadas, permitindo que definam as taxas de juros que serão cobradas dos devedores ao tomar empréstimos. Além disso, do ponto de vista da experiência do cliente, o procedimento oferecido pelos bancos tradicionais era, em sua maioria, burocrático e ineficiente.
Diante disso, o cenário regulatório brasileiro passou – e segue passando – por intensa reestruturação e modernização. Esse fenômeno representa uma abertura do mercado de crédito, permitindo a atuação de novos agentes e incentivando que bancos e instituições busquem por inovações.
Os agentes tradicionais alinharam suas estratégias à tecnologia e vem desenvolvendo alternativas menos burocráticas e mais atrativas para o cliente, através da celebração de parcerias ou aquisição de novas empresas.
A atualização regulatória promove a “desbancarização” do crédito e a criação de novos tipos de empresas neste setor: as Fintechs de crédito.
O que são Fintechs de crédito?
As Fintechs são empresas que utilizam a tecnologia para melhorar e automatizar o oferecimento de produtos e serviços financeiros, se destacando no mercado pela facilidade proporcionada pela tecnologia e pela internet.
Dentre as diversas possiblidades de atuação das Fintechs, as de crédito estão entre as mais relevantes. As Fintechs de crédito são aquelas que concedem ou intermediam operações de crédito, oferecendo soluções e empréstimos de maneira digital.
Tais empresas simplificam a avaliação de crédito, desenvolvem processos de aprovação mais rápidos e promovem maior facilidade para o acesso e controle dos empréstimos e pagamentos. Utilizando a tecnologia como base, tais Fintechs criam processos automatizados, garantindo rapidez e precisão na avaliação do pedido e na concessão do crédito.
As Fintechs que atuam neste setor podem oferecer menores taxas para seus clientes, em comparação com bancos tradicionais. Além disso, baseiam suas operações em plataformas digitais, ou seja, o relacionamento com os clientes se dá exclusivamente online.
Por oferecerem seus serviços de forma totalmente digital e apresentarem condições flexibilizadas e econômicas para os clientes, as Fintechs ampliaram consideravelmente o acesso ao crédito. Essas empresas revolucionaram o mercado, tornando possível o atendimento de uma parcela enorme de pessoas, antes não atendidas pelos agentes tradicionais.
Na cartilha da Série Fintechs: Introdução e Modelos de Operação, tratamos com maior detalhe o conceito de Fintechs e seus principais modelos de operação. Clique aqui para acessar.
- Modalidades de Fintechs de crédito: SCD e SEP
Até 2018, somente os bancos e instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (“Bacen”) poderiam operar no mercado de crédito e empréstimos. As empresas que quisessem oferecer serviços relacionados a este setor teriam que atuar de forma vinculada ou em parcerias com os bancos e instituições tradicionais.
A revolução das Fintechs incentivou o desenvolvimento de novos modelos de operação neste mercado. Um exemplo relevante é a atuação como correspondentes bancários (“Corban”). A operação dos Corbans foi regulada pelo Bacen em 2011 com a Resolução nº 3.954[1], que estabeleceu os requisitos para a contratação de empresas como correspondentes bancários por instituições financeiras.
Através dessas parceiras, as Fintechs que atuam como Corbans podem realizar a intermediação do relacionamento entre o cliente e o banco, além de serviços acessórios, como a análise de crédito. Embora essa possibilidade de operação represente um avanço para as Fintechs, a atividade do Corban ainda é integralmente vinculada às instituições financeiras contratantes.
Em abril de 2018, o Bacen revolucionou o mercado de crédito, editando duas resoluções que visam regular a atuação de Fintechs em operações de empréstimo e financiamento independentemente da atuação ou intermediação de bancos, as Resoluções nº 4.656 (“Res. 4.656”) e 4.657 do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Tais resoluções foram editadas com o objetivo de promover a modernização regulatória, demonstrando o compromisso do Bacen com a Agenda BC+[2], idealizada em 2016 para revisar questões estruturais do Bacen e do Sistema Financeiro Nacional (“SFN”), bem como aprimorar a inovação das tecnologias financeiras e a democratização do acesso bancário.
Através das resoluções mencionadas acima, o Bacen permitiu que empresas pudessem operar empréstimos de maneira mais simples e sem estrutura bancária. Com isso, foram criadas duas modalidades de Fintechs de crédito que poderão operar de forma independente: (i) a Sociedade de Crédito Direto (“SCD”); e (ii) a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (“SEP”).
A regulamentação das Fintechs de crédito facilitou a entrada de empresas no SFN, favorecendo o desenvolvimento de produtos pautados na inovação e tecnologia. Sendo assim, as Fintechs passam a oferecer serviços menos burocráticos, com custos menores para os clientes, resultando na diversificação dos agentes que atuam no setor de crédito e, consequentemente, maior competividade.
Sociedade de Crédito Direto (SCD)
As Sociedades de Crédito Direto são instituições financeiras que realizam operações de empréstimo, financiamento e aquisição de direitos creditórios por meio de plataforma eletrônica e exclusivamente com a utilização de recursos financeiros próprios.
Além de realizar operações de crédito, as SCDs poderão prestar outros serviços, como: (i) análise de crédito para terceiros; (ii) cobrança de crédito para terceiros; (iii) atuação como representante de seguros na distribuição de seguros relacionada com as operações de crédito; e (iv) emissão de moeda eletrônica.
As SCDs também poderão emitir instrumentos pós-pagos, isto é, poderão emitir cartões de crédito e outros instrumentos de pagamento pós-pagos a seus clientes, observando as regras aplicáveis às entidades atuantes no Sistema de Pagamentos Brasileiro.
Considerando que as SCDs devem utilizar recursos próprios para realização das operações, é vedada a captação de recursos do público, a única exceção é na hipótese de emissão de ações. Além disso, as SCDs não podem participar do capital de instituições financeiras.
As SCDs poderão financiar suas operações através da venda ou cessão dos créditos para instituições financeiras, bem como para fundos de investimento e companhias securitizadoras, desde que tenham como investidores somente os classificados como qualificados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Ainda, foram autorizadas a financiar suas operações por meio da obtenção de recursos para concessão de créditos em operações de repasses e de empréstimos originários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), desde que esteja em conformidade com seu objeto social. Em outras palavras, as SCDs poderão captar recursos via BNDES para disponibilizar créditos a seus clientes.
A possibilidade de venda e cessão dos créditos amplia consideravelmente o escopo operacional das SCDs, já que possibilita a mobilização de recursos além do seu capital próprio.
Quanto à cobrança de tarifas, as SCDs deverão seguir as regras tarifas estabelecidas pelo Bacen (Resolução nº 3.919/2010).
Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP)
As Sociedades de Empréstimo entre Pessoas são instituições financeiras que viabilizam operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas por meio de plataforma eletrônica. Essa modalidade de empréstimo é conhecida como peer-to-peer lending (P2P), que permite que credores realizem a negociação diretamente com tomadores, por meio de plataforma disponibilizada pela Fintech.
Além de realizar operações de crédito, as SEPs poderão prestar outros serviços, como: (i) análise de crédito para clientes e para terceiros; (ii) cobrança de crédito para clientes e para terceiros; (iii) atuação como representante de seguros na distribuição de seguros relacionada com as operações de crédito; e (iv) emissão de moeda eletrônica.
As SEPs realizam a intermediação entre os credores e devedores, o que dispensa a atuação da instituição financeira como intermediadora e promove conexão direta entre os tomadores de crédito e os investidores. Além disso, a Fintech garante maior segurança e transparência para as partes envolvidas.
Os credores podem ser pessoas naturais, instituições financeiras, fundos de investimentos, companhias securitizadoras ou pessoas jurídicas não financeiras. Os devedores, por sua vez, podem ser pessoas naturais ou jurídicas, residentes e domiciliadas no Brasil.
As SEPs disponibilizam uma plataforma para que pessoas consigam se conectar e conjugar interesses. Além disso, poderão desenvolver inteligência para avaliação de crédito, e atribuir um score para os tomadores de crédito interessados. O investidor também se cadastra na plataforma e insere o perfil desejado. Com isso, a Fintech identifica uma combinação de interesses e providenciam a estrutura necessária para efetivação da operação de empréstimo.
Há diversos requisitos e procedimentos específicos que devem ser observados pelas SEPs na realização das operações. Os principais são os seguintes, que devem ser observados sucessivamente: (i) a manifestação inequívoca de vontade dos potenciais credores e devedores; (ii) a disponibilização dos recursos à empresa pelos credores; (iii) a emissão de instrumento representativo de crédito; (iv) a emissão de instrumento vinculado ao instrumento representativo de crédito; e (v) a transferência dos recursos aos devedores.
É vedado às SEPs realizar operações de empréstimo e de financiamento com recursos próprios e participar do capital de instituições financeiras. Além disso, as operações devem ser realizadas sem risco de crédito para SEP. Outro limite imposto pela regulamentação é que o credor da operação não poderá contratar com um mesmo devedor, na mesma instituição, operações cujo valor ultrapasse o limite de R$15.000,00.
Assim como as SCDs, as SEPs deverão seguir as regras de cobranças de tarifas estabelecidas pelo Bacen. Entretanto, os serviços prestados pela SEP estão enquadrados na categoria de “serviços especiais”, o que permite que essa instituição cobre qualquer tipo de tarifa, desde que expressamente prevista em contrato entre as partes.
Como se tornar uma Fintech de crédito?
Existem diversos requisitos e procedimentos para criar ou se tornar uma Fintech de crédito. Os requisitos iniciais versam sobre o tipo societário e denominação da empresa. Quanto ao tipo societário, devem ser sociedades anônimas. Quanto à denominação, para as SCDs, é obrigatório inserir a expressão “Sociedade de Crédito Direto”, e para as SEPs, a expressão “Sociedade de Empréstimo entre Pessoas”.
Ainda, as Fintechs devem observar permanentemente o mínimo obrigatório de R$1.000.000,00 para o capital social integralizado e patrimônio líquido. Nesse sentido, a regulamentação permite que o controle societário, de ambas as Fintechs de crédito, seja exercido por fundos de investimento.
O controle por fundos poderá ser exercido de forma isolada ou em conjunto com outras pessoas. Para o controle isolado, este deverá ser exercido na modalidade indireta, isto é, por intermédio de pessoa jurídica sediada no Brasil que tenha por objeto social exclusivo a participação societária em instituições financeiras.
O funcionamento das SCDs e das SEPs depende de prévia autorização do Banco Central do Brasil. Sendo assim, além de cumprir com os requisitos dispostos acima, a Fintech deve solicitar ao Bacen aprovação para iniciar sua operação.
O procedimento de autorização envolve a apresentação de documentos e o protocolo de formulário disponibilizado pelo Bacen. Há um rol extenso de documentos dispostos na Res. 4.656, que deverão ser produzidos pela empresa, os principais são os seguintes:
- justificativa fundamentada, que inclui a indicação do tipo societário e a origem do capital social;
- informação sobre quais serviços são prestados;
- qual seria o público-alvo;
- quais oportunidades de mercado justificam o empreendimento;
- quais as vantagens competitivas da empresa; e
- identificação dos membros do grupo de controle e detentores de participação qualificada.
As empresas interessadas deverão apresentar os documentos através de protocolo digital. Ao analisar os documentos, o Bacen poderá solicitar quaisquer documentos complementares que julgar necessários e convocar os controladores e administradores para entrevistas e esclarecimentos adicionais. Com a autorização do Bacen, a Fintech de crédito poderá iniciar sua operação.
- Quadro comparativo SCD x SEP
SCD | SEP | |
Operações permitidas | Empréstimo, financiamento, aquisição de direitos creditórios, análise de crédito para terceiros, cobrança de crédito de terceiros, atuação como representante de seguros, emissão de moeda eletrônica e de instrumentos pós-pagos | Empréstimo e financiamento entre pessoas, aquisição de direitos creditórios, análise de crédito para clientes e terceiros, cobrança de crédito de clientes e terceiros, atuação como representante de seguros e emissão de moeda eletrônica |
Tipo societário | Sociedade Anônima | Sociedade Anônima |
Origem do recurso | Capital próprio.
É vedada a captação de recursos de terceiros. |
Capital de terceiros.
É vedada a utilização de recursos próprios. |
Intermediação de operações de crédito | Sim | Sim |
Adquirir direitos creditórios | Sim | Não |
Capital Mínimo | R$1.000.000 | R$1.000.000 |
Limite por cliente | – | R$15.000 |
[1] Essa resolução foi recentemente substituída pela Resolução nº 4.935.
[2] Em 2019, a Agenda BC+ foi substituída pela Agenda BC#, que é uma pauta de trabalho centrada na evolução tecnológica para desenvolver questões estruturais do sistema financeiro. Os fundamentos são: (i) inclusão; (ii) competitividade; (iii) transparência; (iv) educação; e (v) sustentabilidade.