Introdução
A história se repete tanto que até parece bíblica: você abre a sua pequena startup com seu colega de faculdade com uma ideia na cabeça e nada no bolso. Levanta um singelo capital de giro com amigos e familiares e contrata um desenvolvedor para criar o software que irá transformar seu sonho de negócio em realidade. Não tem dinheiro para contratar o desenvolvedor neste momento ou arcar integralmente com o merecido salário do programador. Solução? Você conversa com ele e propõem para ele entrar na empresa com você como sócio. Confiante no sucesso futuro do negócio, ele aceita. Pronto, o seu negócio virou uma
“sociedade” e “abrem uma firma”, uma EPP, modesta. Os primeiros clientes licenciam o seu software. O boca-a-boca funciona, mais gente entra em contato. Mas para a expansão do seu modelo, precisa de mais capital. Você e o seu sócio conhecem alguém interessado a investir em vocês e auxiliá-los na rotina financeira da empresa. Temos o seu CFO. Você e o seus sócios funcionam como um relógio suíço. A confiança mútuo e o esforço de todos vocês são imprescindíveis para o sucesso da empresa. Primeiro grande contrato surge,
faturamento cresce. Várias pessoas batem à sua porta interessadas em investir (conceitos como investidores angel, seed, incubators se tornam rotineiros em seu vocabulário). A empresa celebra vários instrumentos de mútuo conversível, com a promessa de quer “no momento certo” eles vão entrar na empresa e virar sócios. O momento chega. Agora você tem vários sócios que você mal conhece. Isso não vai afetar a dinâmica da gestão da minha empresa? O sucesso da minha empresa sempre dependeu da confiança e alinhamento entre os sócios e administradores. Bom, mas do outro lado os seus investidores não te conhecem também e guardam os mesmos receios. Afinal, ser sócio de uma Ltda. é uma
responsabilidade!
Mesmo com todas as limitações que a Lei impõe para defender o patrimônio pessoal dos sócios, ainda há inúmeras situações que podem afetar a conta “PF” do sócio. E nem é preciso ir muito longe, como os casos extremos de fraude… Só olhar para Justiça do trabalho, em que é fácil um sócio (que nem tem gestão sobre a empresa) ter a sua conta bloqueada por atos (as vezes, lícitos) de outro sócio.
Os investidores exigem que você transforme a sua empresa em Sociedades por Ações (a famosa “S/A”). pois é o tipo jurídico desenhado para funcionar como uma verdadeira companhia: a distinção entre gestão, organização e capital de uma empresa. Mas isso implica em mais custos, mais rotinas burocráticas e deveres legais? Como funciona a S/A e porque ela é tão diferente da Ltda? Vamos tentar desvendar essa esfinge neste artigo.
Características Gerais
Existem 2 tipos de S/A:
I – Capital Aberto: As ações e títulos de emissão da companhia são negociados na bolsa de valores e afins;
II – Capital Fechado: A participação ao capital social da empresa não é distribuída ao público.
Apesar de na essência, os 2 tipos serem o mesmo tipo jurídico, cada formato possui um set de regras próprias que devem ser seguidas.
Tirando as raras exceções em que algumas companhias já são constituídas com o capital aberto, o comum é a S/A exista, pelo menos no início, como de capital fechado. Assim, como o “choque inicial” com as burocracias da S/A acontecem com o formato de capital fechado, vamos focar a discussão deste artigo para as de capital fechado (apesar de muitas das disposições se aplicarem, também, às de capital aberto).
Orgãos e Administração
Como dito acima, as S/As são desenhadas para garantir a distinção e a organização da gestão. Assim, o organograma da companhia é constituído por diversos órgãos (obrigatórios ou não), com hierarquia definida, poderes e obrigações distintas e com rol delimitados de atuação).
Conselho de Administração
É o órgão estratégico da companhia eleita pela assembleia geral, que define o planejamento os parâmetros de atuação da empresa, supervisionar a atividade os diretores e defenda os interesses do acionista (ou grupo de acionistas) que o elegeu. Conforme o crescimento da empresa e, consequentemente, o aumento de sofisticação dos acionistas que nela investem, é rotineiro que os investidores, através de contratos de investimento e acordo de acionistas, reservem para si o direito de indicar 1 ou mais conselheiros, que podem ter direito de veto ou voto afirmativo sobre algumas matérias relevantes.
Em geral, são reservados ao Conselho as seguintes matérias: aumentar o capital social da empresa até o limite definido no seu estatuto social (evitando ter que convocar todos os acionistas), supervisionar, eleger e destituir os diretores, administrar planos de incentivo de colaboradores (stock option plans), revisão de contratos relevantes e planos de negócios etc.
O Conselho deve ter, no mínimo, 3 membros. É recomendável, por óbvio, como em qualquer órgão colegiado, que o número seja sempre ímpar (para vetar empates nas votações). É importante que o Conselho de Administração seja eleito para mandatos periódicos (que não podem ser maiores do que 3 anos, podendo ser reeleitos). Assim, em geral, os conselheiros são empossados em mandatos unificados. Caso um conselheiro seja destituído ou se afaste antes do fim do mandato, deverá ser substituído (conforme as regras do estatuto social). Tal substituto deve cumprir o resto do mandato do seu antecessor (e não começar uma nova contagem de prazo), desocupando o cargo ao fim do mandato unificado junto com os demais conselheiros. Tal dinâmica de mandato unificado visa facilitar a gestão da eleição do conselho, evitando ser necessário eleger ou reeleger conselheiros em períodos diferentes.
Um dos conselheiros é eleito como Presidente do Conselho, que além de presidir as reuniões do órgão, tem normalmente as funções de convocar as reuniões do conselho e presidir as assembleias gerais). Em geral, os conselheiros não são remunerados pela companhia porá exercer tal função.
Conselho Fiscal e Comitês
Pode ser um órgão excepcional ou permanente. Em geral, só é eixo quando a companhia estiver um estágio avançado. Para as demais companhias, é um órgão que só é formado quando houver necessidade. Sua função é supervisionar a administração e analisar os seus relatórios e fiscalizar o compliance financeiro da companhia. É um órgão de caráter mais técnico do que os demais, sendo obrigatoriamente por lei ser formado por especialistas ou qualificadas para o cargo e que tenham comprovada dependência com relação à administração da companhia. Além disso, há regras claras de renumeração de seus membros para garantir a isenção do Conselho.
A companhia pode, também, instalar outros comitês com objetivo de tratar de tema específicos e de relevância para a companhia, deliberar e executar ou indiciando à diretoria planos de ações, tais como: comitê de auditoria, ESG, governança corporativa, remuneração etc.
Diretoria
É o braço operacional da companhia. Apesar de ser um marcador de status social colocar no seu perfil do LinkedIn a sopa de siglas de cargos C-Level (CEO, CFO, COO etc.) é um cargo de alta responsabilidade e que pode acarretar consequências diretas no patrimônio pessoal do diretor!