No ecossistema brasileiro das startups, por se tratar instrumentos que garantem participação acionária aos investidores, os contratos de Mútuo Conversível são uma das principais maneiras de financiamento, principalmente no início da empresa (early-stage).

Um mútuo conversível é um empréstimo com uma opção de conversão em participação societária, em ações. A investidora, no contrato de mútuo tratada como “mutuante”, empresta dinheiro à empresa, a mutuária, recebendo em troca uma opção de converter seu investimento em participação ou receber o dinheiro de volta, caso cumpridas algumas condições contratuais. É um contrato muito parecido com debêntures, mas não só limitado às sociedades anônimas.

Além disso, fundamental o esclarecimento de que o mútuo conversível, por permitir o resgate do dinheiro emprestado à empresa, difere-se das opções de conversão (conhecidos como SAFE) e das opções de subscrição (warrants).

Afinal, quais os benefícios dos mútuos conversíveis?

Com o aumento da quantidade de startups, e o crescimento da indústria de venture capital no Brasil, a utilização do mútuo conversível tem sido muito mais frequente entre as pequenas empresas.

As razões são as mais diversas para a popularização do mútuo, mas, especificamente, sua simplicidade devido aos baixos custos e maior agilidade no fechamento da rodada, se comparado a investimentos com aquisição direta de ações e sua flexibilidade de precificação pois não existe obrigatoriedade em definir um valuation para a empresa.

No Brasil, a prática tem sido diferente do planejado para os mútuos conversíveis comparado às convertible notes americanas. Os mútuos conversíveis são um instrumento específico para rodadas iniciais ou que atuavam como uma “ponte” (bridge) para uma próxima rodada mais estruturada, mas no Brasil se consolidou como a principal forma de financiamento de startups em estágio semente, ou até mesmo da primeira rodada substancial da empresa (Series A).

Uma das grandes razões para sua popularização é a limitação ao enquadramento de sociedades anônimas ao Simples Nacional, um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, e sua combinação com as responsabilidades decorrentes de investimento em sociedades de responsabilidade limitada, como riscos de dívidas trabalhistas, tributárias e consumeristas.

Após esta etapa, os mútuos conversíveis aparecem como a alternativa amplamente utilizada para viabilizar essas rodadas, a transformação em S.A. para o momento em que a empresa estiver mais madura e viável financeiramente.

Quais são os principais termos?

Valor nominal:

O valor nominal do mútuo é o valor aportado inicialmente pela mutuante (investidora) que será utilizado para definir o número de ações que serão convertidas em benefício da mutuante no momento de sua conversão. O aporte pode depender de alguns requisitos condicionado ao alcance de determinadas metas pela empresa, tanto com pode ser parcelado ou à vista.

Juros e atualização monetária:

Por se tratar de instrumento inicialmente previsto com o intuito de conversão de participação na mutuária, os juros costumam ser baixos, visando apenas garantir a não desvalorização do crédito com o tempo pois não há expectativa inicial de que a mutuante lucraria com o resgate do empréstimo, mas sim com a própria conversão derivada do contrato. Importante ressaltar que os juros podem ou não ser conversíveis em ações, mesmo que o padrão no mercado brasileiro seja a não conversibilidade, visto que a conversão dos juros acaba implicando um desconto adicional sobre o valuation da rodada, com o pagamento do respectivo imposto de renda pelo investidor.

Vencimento:

É o momento em que a mutuária passa a dever o pagamento, seja na conversão ou até no resgate, caso seja esta a opção. No caso da conversão, o pagamento é feito em ações, conforme valuation ou fórmula matemática negociados originalmente entre as partes.
A escolha da data de vencimento é uma forma de estabelecer expectativas em relação à quando a empresa estará madura o suficiente para realizar a transformação em S.A. e receber o seu primeiro capital institucional. Em regra, um prazo mais longo é mais benéfico à empresa pois garante maior lapso temporal para aperfeiçoamento e garantia de que a transformação em S.A. ocorrerá no momento certo, não havendo prejuízo à companhia em razão disso, visto que muitas vezes as empresas não suportam economicamente a transformação e suas obrigações decorrentes.

Conversão:

Este é o principal tópico da lista e o grande objeto dos contratos de mútuo conversível. A conversão depende da ocorrência de algum evento, como o vencimento ou a realização de uma rodada qualificada. Nestas circunstâncias, a conversão pode ser automática, independendo da aprovação da investidora, ou facultativa, que depende do consentimento da investidora. Em ambos os casos a conversão independe da vontade da empresa.

O vencimento costuma ser uma hipótese de conversão facultativa nos contratos de mútuo. Já a rodada de investimento qualificada costuma ser uma hipótese de conversão automática do mútuo, pois o objetivo principal do investimento foi atingido.

Em razão da conversão, abre-se um leque de termos que também merecem destaque:

– Rodada de Investimento Qualificada: A rodada qualificada é um aporte de um ou mais investidores geralmente superior a um montante mínimo pré-definido e que seja realizado com aquisição direta de ações. O montante mínimo varia bastante a depender do contexto da empresa, e pode ser definido com o objetivo de garantir aos investidores que só percam o seu direito de resgate se a empresa de fato demonstrar sua viabilidade operacional e capacidade de se financiar adequadamente.

Valuation: O valuation representa o valor entendido como “justo” da empresa através de um acordo entre as partes na data do investimento. Como a ideia original dos conversíveis era permitir o adiamento da definição do valuation para o momento da conversão, quando ocorrer a entrada de um aporte qualificado. Sendo assim, criou-se os conceitos de teto de avaliação (valuation cap) e desconto (discount). Teto de avaliação é um incentivo ao investidor que serve como mecanismo de proteção, a empresa garante ao investidor (mutuante) o limite até o qual aceita ser diluído em uma próxima rodada de investimento.

– Desconto: Também um incentivo ao investidor, o desconto é um percentual aplicado sobre o valuation da rodada qualificada que garante ao investidor, titular do mútuo conversível, melhores condições sobre os novos investidores, sob a justificativa de que o investidor deveria recompensado pelo risco adicional que tomou ao investir mais cedo no negócio. A taxa costuma ser de 10% a 30%.

E, por fim, dentre as vantagens e desvantagens dos mútuos conversíveis, podemos elencar como:

I: Maior agilidade e menores custos em relação aos outros contratos rotineiros como contratos de subscrição de ações, por exemplo e por se tratar de rodadas mais baratas e ágeis;

II: Proteção patrimonial, pois, como são comuns decisões judiciais que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica de sociedades limitadas, o mútuo conversível permite que a conversão seja postergada para após a transformação em S.A., quando os riscos para o investidor se tornam menores;

III: Flexibilidade na precificação em razão da permissão de que a rodada seja negociada sem marcação de valuation fixo, utilizando assim o cap & discount, uma prática que permite à investidora e ao empreendedor maior flexibilidade na definição dos termos, fator de grande qualidade para startups em early stage.

 

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