No dia 24 de maio de 2023, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou o Enunciado CD/ANPD nº 1 que expõe o entendimento da Autoridade de que os dados pessoais de crianças e adolescentes podem ser tratados de acordo com as bases legais determinadas pelos artigos 7º e 11 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), desde que observado o melhor interesse da criança e do adolescente.

Segundo estudo preliminar publicado pela Autoridade em setembro de 2022, há 3 (três) possibilidades de interpretação do artigo 14 da LGPD, dispositivo que trata especificamente do tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, sendo as seguintes:

 

  • Prevalência do consentimento dos pais ou responsáveis: a aplicação do consentimento dos pais ou responsável legal, conforme art. 14, §1º da LGPD, como única hipótese legal para o tratamento de dados pessoais de crianças;

 

  • Equiparação dos dados pessoais de crianças e adolescentes como dados sensíveis: a aplicação exclusiva das hipóteses legais previstas no art. 11 ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, haja vista a sua equiparação aos dados sensíveis;

 

  • Possibilidade de aplicação das demais bases legais: a aplicação das hipóteses legais previstas nos artigos 7º e 11 da LGPD ao tratamento de dados de crianças e adolescentes, desde que observado o princípio do melhor interesse.

 

Dentre as hipóteses constantes no estudo preliminar, a ANPD entendeu que a interpretação “iii” é a que melhor se encaixa na LGPD. Nesse sentido, o Enunciado publicado em maio de 2023 estabelece que o “tratamento dos dados pessoais de crianças e adolescentes poderá ser realizado com base nas hipóteses legais previstas no art. 7º ou no art. 11 da LGPD, desde que observado e prevalecente o seu melhor interesse, a ser avaliado no caso concreto, nos termos do artigo 14 da Lei.”

 

Mas o que seria o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente?

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é o que determina a prevalência dos direitos das crianças e dos adolescentes perante outros interesses que porventura encontram-se em jogo. Se trata de direito fundamental que garante a preservação dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo em vista que envolve figuras vulneráveis.

Este princípio nasceu a partir do disposto pelo artigo 227[1] da Constituição Federal que traz a necessidade de priorizar o interesse da criança e do adolescente, sendo este um dever da família, da sociedade e do Estado. Da mesma forma, o artigo 4[2] do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece como de absoluta prioridade a preservação dos direitos das crianças e dos adolescentes.

No mesmo sentido de preservação dos direitos, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados do Reino Unido (“ICO” – Information Comissioner’s Office) esclareceu que para saber se os direitos das crianças e dos adolescentes estão sendo preservados é necessário observar se o tratamento de dados está de acordo com as diretrizes determinadas pela Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas.

Desse modo, a ICO descreveu alguns passos com o objetivo de identificar/avaliar se o melhor interesse das crianças está sendo observado[3], são eles:

 

1º passo: Entender os direitos.

O primeiro passo é entender quais os direitos das crianças titulares dos dados que pretendem ser tratados, ou seja, entender quais direitos que estão em jogo, de acordo com o sistema de proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Isto é, observando a Constituição Federal, o Estatuo da Criança e do Adolescente, a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, além de outros regulamentos, acordos internacionais e políticas relevantes relacionadas ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes.

 

2º passo: Identificar os impactos nos direitos das crianças e dos adolescentes.

O segundo passo é avaliar detalhadamente e entender o impacto relacionado considerando como, por que e quando os dados das crianças e dos adolescentes estão sendo tratados. Além disso, importante identificar qual o papel dos pais e responsáveis no tratamento dos dados das crianças e adolescentes, de forma a entender como eles estão se envolvendo nessa atividade de tratamento dos dados de seus filhos.

O mapeamento destas variáveis é importante para identificar quais os possíveis impactos que o seu serviço de tratamento de dados pode causar nos direitos das crianças e do melhor interesse.

 

Passo 3: Avaliar os impactos nos direitos das crianças

Após identificar os potenciais riscos, o terceiro passo se baseia na identificação da probabilidade destes impactos ocorrerem e em que magnitude podem impactar os direitos das crianças e dos adolescentes.

 

Passo 4: Criar planos de ação

Depois de identificar a probabilidade e a magnitude que o seu serviço de tratamento de dados pode causar nos direitos das crianças e dos adolescentes, o quarto passo se refere à criação de estratégias/planos de ação capazes de mitigar os riscos identificados na sua avaliação.

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O Enunciado CD/ANPD nº 1 sobre o tratamento de dados de crianças e adolescentes fornece diretrizes de como o tratamento pode ser baseado no melhor interesse da criança e do adolescente. Assim, seguir os passos fornecidos pela ANPD pode ajudar a avaliar o melhor interesse da criança e do adolescente e a legalidade das atividades de tratamento de dados.

 

[1] Constituição Federal. Art. 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

[2]  Lei 8.069/1990. “Estatuto da Criança e do Adolescente”. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

[3] “Best interests of the child self-assessment”. Disponível em: <https://ico.org.uk/for-organisations/uk-gdpr-guidance-and-resources/childrens-information/childrens-code-guidance-and-resources/best-interests-of-the-child-self-assessment/>

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